A busca pelo jornalismo perdido


Paulo Henrique Amorim - ABI Online - Por Rodrigo Caixeta

Paulo Henrique Amorim é um jornalista multimídia. Migrou da mídia impressa para a eletrônica sem grandes dificuldades, mas sempre com o foco num jornalismo objetivo e isento. Hoje, assina o “Conversa afiada”, um dos blogs mais acessados do País, e foi um dos primeiros profissionais a estrear projetos jornalísticos na internet, ainda nos primórdios da chegada da rede ao Brasil. Carioca da Glória, casado, pai de uma filha, formado em Sociologia e Política e torcedor do Fluminense e da Acadêmicos do Salgueiro, vive atualmente em São Paulo, onde se dedica ao seu blog e ao “Domingo espetacular”, programa da Rede Record.

Aos 64 anos, Paulo Henrique diz que o jornalista perdeu o sentimento de prestador de serviço e afirma que os jornais e revistas brasileiros têm qualidade inferior aos de outros países. Além de remontar sua trajetória profissional, ele comenta que um correspondente tem que ser um bom repórter, classifica a mídia como conservadora, faz críticas à Rede Globo e revela ter medo da TV do Governo.

ABI Online — Sua formação acadêmica é em Sociologia e Política. Como o jornalismo apareceu em sua vida?

Paulo Henrique Amorim — O jornalismo apareceu cedo, porque meu pai era jornalista e eu praticamente me alfabetizei desenhando primeiras páginas de jornal. Meu pai era um barnabé, mas foi também repórter e editorialista em jornais como O Radical e A Noite. Tinha um texto maravilhoso, seco, sem adjetivos, não havia uma única palavra em excesso. Um Graciliano Ramos...

Onde o senhor começou carreira e quantos anos tinha?

A primeira vez em que levei dinheiro para casa como jornalista foi como foca do jornal A Noite, em 1961. Eu tinha 18 anos.

Para quais outros veículos trabalhou?

Para as revistas Chuvisco, Jóia, Fatos & Fotos, Manchete, Realidade, Veja e Exame, para o Jornal do Brasil, as TVs Manchete, Globo, Bandeirantes, Cultura e Record e os portais Zaz, Terra, UOL e iG.

Uma de suas grandes coberturas no início da carreira foi quando o Presidente Jânio Quadros renunciou, em 1961, e o então Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, mobilizou soldados e jornalistas para garantir a posse do Vice, João Goulart. Como foi participar deste importante acontecimento nacional?

Não diria que foi uma “grande cobertura”. Eu era foca da Noite e, por acaso, um contato de publicidade do jornal tinha ido a Porto Alegre tentar vender um caderno de turismo sobre o Rio Grande do Sul. Só que ele estava no Palácio Piratini na hora em que Leonel Brizola instalou a Rede da Legalidade e resolveu lutar pela posse do Vice-presidente eleito, João Goulart. Minha função era falar com esse contato por telefone — as ligações com Marte eram melhores... — anotar o que ele dizia e passar aos redatores. Mas eu, é claro, considerava-me em plena guerra...

Quando surgiu a oportunidade de se tornar correspondente internacional? Sua estréia foi na Veja, em Nova York. Como foi essa experiência?

Eu trabalhava na revista Realidade, quando Murilo Felisberto, diretor do Jornal da Tarde, convidou-me para ser editor do caderno de Variedades. Procurei o dono da Abril, Roberto Civita, e disse que estava disposto a ir para o Jornal da Tarde, a menos que pudesse ser o primeiro correspondente em Nova York da revista semanal (Veja ainda não tinha nome) que ele ia lançar. Como eu sabia falar inglês, ele topou na hora. Eu praticamente não conhecia o Diretor de Redação, Mino Carta, de quem, depois, tornei-me profundo admirador e amigo.

Como foi sua ida para o escritório da TV Globo em Nova York?

O escritório da emissora foi aberto pelo Hélio Costa — hoje Ministro das Comunicações —, a pedido do Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho), para fazer matérias para o “Fantástico”. Sempre disse a ele e ao Armando Nogueira que gostaria de ir trabalhar em Nova York, onde praticamente comecei a minha vida profissional e também me casei. Com a saída do Lucas Mendes, minha ida se precipitou.

No site do programa “Domingo espetacular”, quando o senhor é apresentado, há a seguinte frase: “E foi na América que (Paulo Henrique Amorim) construiu toda a noção de jornalismo em que acredita”. Que noção é essa?

Quando fui ser correspondente, a Veja tinha um acordo operacional com a Newsweek e eu podia freqüentar reuniões de pauta e conversar com editores. Eu tinha 25 anos. Claro que isso me influenciou bastante. Depois, fiz um curso de “Magazine making and editing”, como ouvinte, na Universidade de Nova York. E peguei um professor muito legal. Quando fui trabalhar na Globo de Nova York, já era burro velho — isso foi em 1990 —, mas tinha uma experiência muito limitada em televisão (tinha sido editor, colunista e apresentador a maior parte do tempo). Lá, sim, fui para a rua como repórter e via os repórteres norte-americanos trabalhando, ali, lado a lado, nas coberturas de grandes eventos. E acho que aprendi alguma coisa.

Olhando pelo retrovisor e recordando os tempos como correspondente, como o senhor observava a cobertura dos assuntos do Brasil na mídia estrangeira? Houve alguma mudança em comparação aos dias de hoje?

Não mudou nada. A mídia norte-americana só se interessa pelo bizarro, pelo grotesco. Há alguma cobertura da parte musical (li há algum tempo no New York Times a crítica de um show do Gilberto Gil, em que o autor o chama de “genial”). Agora, progressivamente, deve haver uma cobertura maior da produção brasileira de biocombustível, em que o Brasil dá de dez a zero nos Estados Unidos.

Com sua larga experiência, o que o senhor acredita que um correspondente deve ter e saber para ser um bom profissional? E o que deve trazer na bagagem?

Um correspondente tem que ser um bom repórter. Não adianta fazer stand up para amarrar imagens captadas de agências internacionais e pretender que o espectador acredite que você apurou aquilo tudo. Correspondente tem que ralar. Trazer na bagagem? Tudo o que puder. Absorver tudo o que for bom.

Falando do jornalista de forma geral, como o senhor avalia o trabalho dos focas que chegam hoje ao mercado?

Uma praga. As escolas de Jornalismo prestaram um gigantesco desserviço à imprensa brasileira. Com a obrigatoriedade do diploma, como diz o grande jornalista Mauro Santayana, não tem mais jornalista pobre nas redações. É tudo mauricinho, com vontade de ficar amigo de banqueiro. O jornalista perdeu um ingrediente central da profissão, que é o sentimento de prestar serviço, de se colocar na pele de alguém que está ali para servir à comunidade, e oferecer um bem inestimável: informação, informação objetiva, a base para se tomar decisões sensatas. Isso é indispensável à democracia. Escolher com conhecimento dos fatos. Lamentavelmente, temos jornalistas malformados, com mania de ter opinião — e com uma certa dificuldade de dar informação precisa, respeitando a “verdade factual”, como diz o Mino Carta. Platão já explicou que a opinião é o lado escuro, podre do conhecimento. Agora, qualquer “reporteco” de quinta tem opinião. E, em 99,9% dos casos, opinião que coincide com a opinião do patrão. Os norte-americanos têm uma frase que é o que o leitor deveria dizer, sempre, ao repórter: “Você, por favor, me forneça os fatos que eu entro com a opinião.” Acho que o mal que a lei da obrigatoriedade do diploma fez ao jornalismo brasileiro é irreparável: como os jornais impressos vivem uma crise terminal, não vai dar tempo para que novos profissionais, muitos de origem pobre, de classe média baixa, como o Maurício Azêdo e eu, possam fazer um jornalismo objetivo, isento, que ajude a democracia.

Hoje o mercado de trabalho exige um jornalista multimídia. O senhor teve experiência em diferentes veículos e não demonstrou ter tido grandes barreiras para se adaptar às novas mídias, como a internet. Como foi a experiência de iniciar as coberturas em tempo real para a internet no Brasil — na WebTV, do extinto ZAZ — e o processo de construção daquele então novo formato de se fazer jornalismo?

Sempre tive a percepção de que a internet ia ser uma mídia importante. Tomei a iniciativa de procurar o Marcelo Lacerda e bolar um produto de jornalismo econômico para o ZAZ. Não foi exatamente um sucesso, mas eu o Marcelo nos demos conta de que “tinha jogo” — dali ia sair alguma coisa. Depois, o Caio Túlio Costa me chamou para fazer uma estação de TV na internet, e nós fizemos o UOLNews. A bolha da internet furou, o projeto teve que se reduzir, mas a semente estava lançada. Está lá. É provável que o caminho seja o YouTube, mas que vai ter televisão na internet, isso é óbvio. Os novos jornalistas já devem saber disso: a internet é um mercado de trabalho em expansão.

Quando surgiu a idéia de criar blog “Conversa afiada”?

O “Conversa afiada” surgiu quando fui fazer uma produção independente na TV Cultura de São Paulo. Era, basicamente, um talk show sobre assuntos de economia. Gostei muito de fazer aquele programa — era uma produção independente diária, no horário nobre, em que a minha empresa e a Cultura dividiam os custos e os lucros. Um formato que, sei, a Cultura reproduziu com outros profissionais. E que poderia se alastrar País afora, se a Globo não tivesse a hegemonia que teve e tem (por enquanto...), na TV aberta e na paga. Depois levei esse título para a Record e, agora, para o iG.

Por que o senhor classifica a mídia como conservadora?

Porque é. É a mesma imprensa que derrubou Vargas, tentou derrubar JK, derrubou Jango e tentou impedir a eleição de Brizola para Governador do Rio. Os jornais e revistas brasileiros são conservadores e, freqüentemente, como aquele personagem do Kubrick em “Dr. Strangelove” (“Dr. Fantástico”), não resiste e faz a saudação nazista. A imprensa brasileira, vira-e-mexe, levanta o braço e diz “Heil Hitler!”, com saudades de 1964. Além do mais, a imprensa brasileira é de qualidade inferior. Não comparo com os jornais ingleses, norte-americanos, franceses... europeus em geral. Falo dos argentinos, para começar. La Nación e Clarín são muito melhores do que qualquer jornal impresso brasileiro. Na nossa imprensa, temos um texto de ler em prantos. Não falo das ofensas à Língua Portuguesa, isso já nem conta mais, releva-se. O problema é a falta de precisão, concisão, clareza. E humor, elegância. No mundo inteiro, o melhor texto da imprensa é o da seção de esportes. E a do Brasil? Onde anda o Nelson Rodrigues, santo Cristo?

Que caminho a imprensa deve seguir?

Com a decadência da mídia impressa, o jornalismo vai continuar na televisão e se expandir para a internet e todos os caminhos que os novos meios abrirão. Não quero ser saudosista, até porque adoro trabalhar em televisão e na internet, mas a decadência da imprensa contaminou, de certa forma, todo o jornalismo brasileiro, porque, em qualquer lugar do mundo, a mídia impressa é o data bank da imprensa — em informação, talento, consistência...

Em 2005, o senhor publicou “Plim-plim: a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral”, em que denuncia a trama que manipulou as eleições para o governo do Rio de Janeiro em 1982 com o apoio da Rede Globo, segundo informações do livro.

A que se deve hoje seu posicionamento crítico em relação à emissora?

Minha posição contra a Globo se explica pela própria Globo. A emissora é protagonista de três episódios antológicos de manipulação da vontade popular. Em 1982, quando participou do complô para impedir a eleição de Brizola no Rio — o que procuro demonstrar no “Plim-plim”. Em 89, quando o “Jornal nacional” — toda a edição, em seu conjunto, e não só a “edição do debate” — ajudou a eleger Collor, contra Lula, na véspera da eleição, no segundo turno. E agora, como Raymundo Rodrigues Pereira demonstrou de forma irrefutável na CartaCapital, o mesmo telejornal levou a eleição para o segundo turno: como em 89, ignorou o desastre da Gol para não desarrumar a edição do “JN” que prejudicaria Lula. As Organizações Globo são contra os líderes trabalhistas desde Getúlio Vargas, está no seu DNA. E, agora, com o rebaixamento do Ministro das Comunicações, o fortalecimento de Dilma Roussef e a escolha de Franklin Martins, a Globo voltou a ser especialmente feroz contra o governo Lula. É a primeira vez, desde os anos militares, que o Ministro das Comunicações não manda...

Sobre as minhas criticas à Globo e ao fato de eu ter trabalhado lá, gostaria de esclarecer que trabalhei na emissora e em muitas outras instituições — como já enumerei antes — com o mesmo entusiasmo, dedicação e profissionalismo. Mas há uma diferença interessante entre o regime da escravidão e o regime capitalista. Na escravidão, o dono da fazenda manda no escravo. No capitalismo, há uma troca: o trabalhador vende a sua força de trabalho e é remunerado por isso. O empregador compra a força de trabalho e paga. Roberto Marinho era meu empregador, não era meu dono...

O senhor comentou certa vez em seu blog sobre as duas “frias” que o Franklin Martins encontraria na Secretaria de Comunicação: acumular a distribuição de verbas do Governo com a política de informação do Planalto e a montagem de uma rede pública de televisão. Qual a sua sugestão para ele ser bem-sucedido nessas empreitadas?

O Franklin Martins é um excelente jornalista e um homem honrado. Ele tem tudo para se sair bem nas duas tarefas. Porém, permito-me reafirmar que acho uma fria reunir num mesmo saco informação e publicidade; e morro de medo dessa televisão do governo. Pode ser um sorvedouro de dinheiro; um cabide de emprego para jornalista de segunda categoria, mas amigo do amigo dos poderosos; fazer propaganda do Governo; e, o mais importante, não ter audiência nenhuma e não servir para nada. Entre outros erros estratégicos irreparáveis — como a derrubada de Goulart, a transferência da capital para Brasília... — acho que não ter uma emissora como a BBC no Brasil foi uma tragédia. Só que agora não dá mais tempo.

Como é o seu trabalho à frente do “Domingo espetacular”, na Rede Record? O senhor também participa da produção?

Sou apresentador e repórter do programa. Participo da produção e redação das minhas matérias. E já é muito serviço...

Paulo Henrique Amorim - ABI Online - Por Rodrigo Caixeta