Che Guevara recebe homenagem em diversas partes do mundo


AMÉRICA LATINA

Esquerda lembra Che

Há 40 anos, revolucionário argentino que inspirou gerações era capturado com a ajuda do serviço secreto dos EUA e executado no dia seguinte. Ele receberá hoje várias homenagens em Cuba, Bolívia, Venezuela e outros países de várias partes do mundo.

Quarenta anos depois da morte de Ernesto Che Guevara, guerrilheiro argentino que se tornou o maior ícone de Cuba ao lado de Fidel Castro, uma América Latina voltada para a esquerda recorda a trajetória do homem cuja imagem é até hoje sinônimo de revolução. Na Venezuela, na Bolívia e na própria Cuba, países que defendem com mais ênfase o socialismo no continente, cerimônias em memória de Che estão previstas para hoje e amanhã. O presidente interino de Cuba, Raúl Castro, recordará o médico argentino num evento em Santa Clara, local do mais importante triunfo militar do revolucionário, no final de 1958. Também haverá concertos pelo país, uma exposição fotográfica e um torneio de xadrez — o esporte preferido do homenageado — com 1,5 mil participantes.

Os restos mortais de Che Guevara estão em Santa Clara, debaixo de uma gigantesca estátua de bronze. São previstas também celebrações na Bolívia, onde Che morreu, em 9 de outubro de 1967, um dia após sua captura pelo exército. O presidente Evo Morales, admirador do argentino, confirmou presença nos atos que ocorrerão hoje e amanhã no departamento de Santa Cruz (onde terminou a aventura do histórico guerrilheiro). “Há muitas forças sociais internas e externas que se organizaram para garantir um grande evento. Sou convidado e vou estar lá, sou admirador do Che”, afirmou Morales, primeiro indígena a governar a Bolívia.

Na Venezuela, o governo vai inaugurar um monumento em homenagem a Che Guevara num dos pontos mais altos dos Andes Venezuelanos, por onde passou o médico argentino há 55 anos. O ministro da Cultura, Francisco Sesto, anunciou que a obra, em vidro temperado, ficará no Pico da Águia, no estado de Mérida. Na Argentina, simpatizantes de Che prometem apresentar uma grande estátua.

Disseminada por todo o planeta, a figura de Che Guevara transcende os eventos isolados em sua recordação. O guerrilheiro socialista estampa milhões de camisetas em muitos países. Em Cuba, até hoje as crianças pronunciam no começo da aula o tradicional “Pioneiros do comunismo, seremos como Che!”. Como ministro da Indústria e dirigente do Banco Central pós-revolução, Che Guevara lutou pela nacionalização das empresas privadas e sonhou com uma sociedade sem classes, na qual o dinheiro seria abolido, e o lucro, tido como desnecessário.

“Muitos de nós idolatramos Che mais que Fidel. Ele é um símbolo da rebelião em Cuba também, não apenas para quem apóia o governo”, diz Ruth, uma estudante de computação que pede para não ter o sobrenome divulgado. Para admiradores do argentino, sua vida foi marcada por ideais possíveis, ao fim de um caminho no qual o derramamento de sangue seria inevitável.

Morte

No livro que o escritor espanhol Ignacio Ramonet escreveu a partir de conversas com Fidel Castro, 100 horas com Fidel, o presidente licenciado de Cuba afirmou que Che “não era um homem para ser capturado”, e só o foi porque sua arma falhou. Ferido e desarmado, o médico foi levado até a localidade de La Higuera. “No dia seguinte, 9 de outubro de 1967, executaram-no a sangue frio”, continuou Fidel, acrescentando que os algozes acreditavam ter calado o guerrilheiro. “Agora, ele está em todo lugar, em todo canto onde há uma causa justa para se defender”, disse.

O ex-agente da CIA Félix Rodríguez contou à emissora britânica BBC as últimas palavras de Che, pouco antes de morrer. “Bom, se você puder, diga a Fidel Castro que logo verá uma revolução triunfante na América”, teria dito. “E, se puder, diga à minha mulher que se case outra vez e trate de ser feliz”, acrescentou. Segundo ele, Che usou de ironia ao falar com seu carrasco, o sargento Mario Terán. “Não seja filho da p… Sei que você veio me matar. Mas quero que saiba que vai matar um homem”, afirmou o guerrilheiro. Às 13h10 de 9 de outubro, tiros de uma carabina M2 selaram o destino do revolucionário. “Acabamos com as guerrilhas”, afirmou um dos militares bolivianos, diante do corpo com o rosto sujo de lama. Che entrava para a história.

Ícone Mundial

Os olhos emoldurados com grossas sobrancelhas, a boina com uma única estrela sobre o cabelo despenteado, o olhar desviado. A imagem mais famosa de Che Guevara foi captada pelo fotógrafo Alberto Korda, em 5 de março de 1960, durante um funeral em Havana. O autor não cobrou direitos autorais pela reprodução da fotografia, que começou a ganhar o mundo em 1967, quando o intelectual Giangiacomo Feltrinelli distribuiu cartazes com a imagem pela Itália.

Personagem da notícia

Homem de vários rostos

Ernesto Guevara de la Serna, o ícone da esquerda e da rebeldia mundial, imortalizado como Che — um dos muitos apelidos que teve em 39 anos de vida —, foi um homem de vários rostos e identidades. Transformado por plásticas e próteses dentárias, foi Ernestito, Teté, Pelao, Chancho, Fuser, Martín Fierro, Franco-atirador, dentre outros nomes e apelidos que serviam para despistar os inimigos da revolução. Apesar dos laços com a ilha de Cuba, Che Guevara era argentino.

Nasceu na cidade de Rosário, teve uma infância atormentada pela asma crônica, percorreu a América Latina em uma moto e formou-se em medicina. Casou-se com Hilda Gadea, na Guatemala, teve uma filha, e trocou a família pela “ajuda aos pobres”. Suas leituras o transformaram em um marxista leninista convicto de que “a esperança” estava em seguir os modelos soviético e chinês.

O caminho rumo ao ícone da revolução começou em 1955, no México, quando conheceu Fidel Castro. No ano seguinte, desembarcou na ilha ao lado de 80 cubanos para lutar contra o ditador Fulgêncio Batista. Sempre em traje de campanha, com barba, boina, chimarrão e charutos característicos, Che era a atração dos fotógrafos.

Durante seis meses foi comandante militar da fortaleza de Cabaña, onde ocorreram julgamentos sumários e fuzilamentos de centenas de policiais, militares e pessoas ligadas a Batista. Pouco depois, exerceu cargos políticos. Sob a batuta de Fidel Castro, foi presidente do Banco Central cubano e ministro da Indústria.

(Publicado pelo jornal Correio Braziliense em 08/10/2007)